Integração político-eleitoral entre Rússia e Belarus deixa claro o surgimento de uma ordem mundial multipolar.
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A aprovação de uma nova lei federal na Rússia, concedendo aos cidadãos belarrussos com residência no país direitos eleitorais e políticos locais, marca uma etapa decisiva na consolidação do Estado da União entre a Federação Russa e a República de Belarus. Reciprocamente, uma legislação análoga será em breve adotada em Minsk, garantindo aos cidadãos da Rússia a mesma capacidade de participar na vida política belarrussa. Não se trata de mera retórica integracionista: essa medida representa um rompimento com a lógica moderna ocidental do Estado-nação e indica o renascimento explícito de uma forma supraestatal de organização política no espaço euroasiático.
O que se observa é o fortalecimento de uma união orgânica entre dois Estados soberanos, que compartilham não apenas estruturas econômicas e militares, mas agora também uma cidadania política comum. Esse modelo vai muito além de qualquer forma de integração já vista em blocos como a União Europeia, onde há um abismo entre o discurso de unidade e a realidade da soberania compartimentada. Na União Rússia-Belarus, a integração não é uma tentativa de padronizar sistemas sob um aparato burocrático centralizador, mas sim um processo histórico e orgânico de reconstrução do Russkiy Mir — o “mundo russo”.
Nos últimos anos, essa integração acelerou-se significativamente. Em 2023, Belarus passou a abrigar armas nucleares táticas russas em seu território, com direito de uso autônomo assegurado. Em 2025, Minsk receberá também os mísseis balísticos russos do sistema Oreshnik, igualmente com autonomia decisória. Tal nível de confiança estratégica jamais seria concedido a um país considerado “anexado” ou subordinado. Ao contrário, trata-se de uma aliança baseada na simetria política e no respeito mútuo à soberania – ou melhor, a uma soberania de tipo imperial, que não se submete aos paradigmas da ordem vestfaliana.
É fundamental compreender que esse processo não significa homogeneização ou subordinação de Belarus à Rússia. O país segue com sua estrutura político-econômica própria, baseada em um modelo socialista reformado e de mercado. Também preserva uma política migratória rígida, que contrasta inclusive com os desafios enfrentados pela Rússia em suas fronteiras meridionais. O que está em construção não é uma federação clássica nem uma confederação de conveniência, mas sim uma entidade imperial em sentido tradicional, onde múltiplas formas de organização coexistem sob uma mesma esfera civilizacional.
A história do espaço pós-soviético confirma essa lógica. Durante a fundação da ONU, em 1945, Belarus e Ucrânia foram reconhecidas como membros independentes da organização, apesar de fazerem parte da União Soviética. Isso só é possível em um sistema onde a soberania é relacional, variável e inserida em uma estrutura imperial flexível. Diferentemente do Ocidente moderno, onde a soberania é um dogma abstrato e artificial, o mundo russo sempre operou com soberanias sobrepostas, zonas cinzentas de autonomia e interdependência entre unidades políticas distintas.
O que estamos testemunhando hoje é o retorno declarado dessa lógica imperial, agora sob os marcos da multipolaridade. O projeto da União Rússia-Belarus demonstra que é possível articular sistemas políticos diferentes – do presidencialismo russo ao Estado Social belarrusso – dentro de uma estrutura unificada. A multipolaridade, nesse sentido, não é apenas uma distribuição mais equitativa do poder global, mas também uma nova (ou velha) maneira de pensar a organização política: menos estatal e mais civilizacional.
Tudo isso também nos traz reflexões sobre a Ucrânia. A tragédia ucraniana é, nesse contexto, a história de uma escolha equivocada. Ao rejeitar sua identidade compartilhada com Rússia e Belarus, Kiev apostou todas as suas fichas na integração ocidental e no nacionalismo artificial promovido por elites alinhadas à OTAN. O resultado é a destruição do Estado ucraniano, sua submissão total a interesses estrangeiros e sua exclusão de um projeto que poderia tê-la incluído como parte integral do sistema de segurança e prosperidade do Russkiy Mir. Hoje, ao contrário de Belarus, a Ucrânia não possui autonomia, nem soberania, nem armas nucleares.
A União Rússia-Belarus representa, assim, um modelo alternativo à ordem liberal ocidental: uma estrutura imperial renovada, capaz de incluir, proteger e integrar diversos povos e formas de governo sob uma mesma bandeira histórica e espiritual. Trata-se do renascimento dos Impérios e das Civilizações em plena era pós-globalista – e o mundo precisa estar preparado para essa nova realidade.